Em março de 2020, quando a pandemia do coronavírus apenas aparecia de forma longínqua nos telejornais, seus impactos já eram sentidos de forma global, castigando mercados dinâmicos, como o da aviação civil.
Passados 500 dias desde o baque inicial, como se encontra atualmente este setor e o que podemos esperar de Gol (GOLL4) e Azul (AZUL4), papéis que são comercializados em nossa bolsa de valores?
Os dados atuais do setor no Brasil apontam que ainda vivemos um período de retomada.
A demanda por voos ainda se encontra entre 30% e 35% inferior compara ao período pré-pandêmico, enquanto a oferta representa dois terços daquela existente no 1T20, quando a pandemia começou no país.
No cenário internacional, a situação é ainda menos estimulante: queda de 85% na demanda e 67% na oferta deste tipo de voo.
Para avaliar os efeitos da crise sanitária para os diversos setores econômicos do país, é necessário levar em consideração que a pandemia veio em forma de ondas, apresentando os piores impactos no segundo trimestre de 2020 e no primeiro semestre de 2021, quando a recuperação que o setor ensaiava foi prejudicada pelo avanço do número de casos da doença.
Num primeiro momento, as companhias optaram por uma estratégia de sobrevivência, preservando ao máximo seus índices de liquidez e solvência. A Gol, por exemplo, observou seu número de voos diários cair de mais de 800 ao término de 2019, para 50 em março de 2020.
Desta maneira, se viu obrigada a renegociar com seus lessores (locadores de aeronaves para companhias aéreas) e com o seu quadro de colaboradores.
Com os lessores, foram costurados três tipos de acordo: diferimento (semelhante ao realizado pela Azul); haircut (um corte nos valores de aluguel sem qualquer contrapartida); e o power by the hour, em que a Gol transformou valores fixos em variáveis, mediante às horas de voo utilizadas por aeronave, transformando assim custo fixo em variável e, por conseguinte, dando preferência às operações de aeronaves que já possuíam custos fixos não manobráveis.
Em relação ao seu quadro de colaboradores, a Gol fechou um acordo que vence no final de 2021 com o sindicato de aeronautas, comprometendo-se a não demitir e assim, obteve autorização para reduzir até 50% dos salários de seus colaboradores.
Já a Azul diferiu por volta de 40% dos valores anuais previstos para leasing em 2020 e apenas em 2023 voltará a pagar valores postergados.
Diferente do Power by the hour, sistema adotado pela Gol para ajustar a capacidade e voar menos, a companhia aérea formulou negociação envolvendo uma condição que não envolvesse a utilização de sua frota.
Com os funcionários, a companhia revogou ainda em 2020 o acordo de revisão de jornada que mantinha. As estratégias com leasing e funcionários explicam, em parte, a razão pela qual a companhia ter apresentado maior dificuldade em termo de CASK no início da pandemia e porquê, neste momento, a Azul vem apresentando uma oferta de voos mais agressiva que sua principal concorrente, que inclusive, revisou para baixo suas estimativas ao divulgar o resultado do 2T21.
A estratégia de expansão da oferta também dialoga com o melhor momento da companhia em termos de booking. No período pré-pandemia, este número girava em torno de R$ 30 MM ao dia, chegou aos R$ 4 MM/dia no auge da crise e já se encontra em patamares superiores a R$ 20 MM/dia, devido, sobretudo, à intensificação do ritmo de vacinação.
Além disso, após o término do acordo de codeshare com a Latam, acreditamos que o avanço no nível de oferta por parte da Azul, também seja reflexo do movimento de consolidação que a companhia vislumbra realizar, abrangendo o número de mercados atendidos.
Passados os momentos mais críticos da pandemia e contando com a oportunidade de tirar proveito da situação da Latam, fortemente impactada devido sua exposição ao mercado internacional, acredito que a Azul possa avançar em seu interesse de consolidar a operação nacional da Latam, o que não incluiria as operações internacionais, uma vez que o crescimento neste mercado não faz parte dos seus interesses atuais.
Além disso, avalio que, como o overlap entre as duas companhias é de apenas 10%, os ajustes a serem solicitados pelo Cade não impediriam a execução da operação.
O modelo de atuação da Azul também se mostrou único nesta pandemia. Enquanto sua principal rival optou por aumentar a etapa média para diluir custos, a operação regionalizada da Azul fez com que a etapa média fosse mantida nos níveis pré-pandêmicos.
Evidentemente, quinze meses não são suficientes para cravarmos qual será o futuro do setor. O próprio interesse da Azul pela Latam depende muito das condições que a companhia latina conseguirá no financiamento das cláusulas de seu chapter 11, aberto nos Estados Unidos, e que será costurado até o final deste ano.
Vejo que, atualmente, a Azul poderia angariar recursos para a operação através de uma proposta combinada envolvendo ações e cash, possivelmente levantado através de novas operações de emissão de dívidas.
Não se pode negligenciar também a relevância da dinâmica de custos do QAV, em alta após o crescimento da valorização internacional do petróleo e do câmbio, que mesmo menos estressado, segue volátil.
Vale reforçar também que, embora não vejamos viabilidade no modelo adotado pela Itapemirim para iniciar suas operações, uma vez que a companhia iniciou suas atividades oferecendo inúmeros diferenciais sem contrapartida tarifária, a chegada de um novo player pode frear, mesmo que temporariamente, o ímpeto natural de elevação de preços advindo da melhora do fluxo, o que pode fazer com que as companhias aéreas, sobretudo as que atuam nos principais eixos do país, como o triângulo RIO-SÃO-BSB, levem mais tempo para observar uma melhor dinâmica em seus fluxos de caixa.
Com relação à Gol, acredito que uma possível aquisição da Latam pela Azul não impactaria em suas potencialidades perante o mercado doméstico, dado que as rotas atendidas pela Latam possuem alto overlap com as suas. Desta forma, ainda que a consolidação de uma de suas rivais polarizaria o mercado aéreo brasileiro, tal movimento não deflagraria mudanças transformacionais na maneira da Gol se colocar.
Além disso, avalio que independentemente da efetivação ou não da consolidação, é importante para Gol que mercados relevantes, como o corporativo, comecem a mostrar uma sólida recuperação.
Neste momento, as perspectivas de uma consolidação bem como a entrada da Itapemirim levam o mercado a observar uma capacidade de colocação de tarifas mais depreciada, o que naturalmente aflige a Gol, que no momento apresenta um yield próximo a 25 centavos, e assim, fica à espera de uma melhor resposta da demanda para retomar aos antigos níveis de rentabilidade.
Além disso, a Gol, como suas concorrentes, possui o waiver do regulador com relação ao cancelamento de slots e pontualidade até março de 2022, o que pode ajudar o setor a manter níveis gerenciais mais saudáveis ainda que a demanda retorne de forma mais lenta do que o previsto.
Os movimentos recentes realizados pela companhia também são dignos de nota: a aquisição da MAP, que ampliou sua participação em Congonhas; e a incorporação da Smiles podem ajudar a companhia a não só se manter equilibrada como expandir suas avenidas de crescimento diante da ocorrência de um cenário mais positivo.
Desta forma, nos mantemos otimistas quanto ao momento do setor, acreditando que, com o sucesso do andamento da vacinação, a recomposição das frotas e a expansão da malha aérea das companhias, é possível esperar pela volta de um cenário mais favorável para a rentabilização das empresas do setor.
Vale reforçar que uma vez que acreditamos na viabilidade do processo de consolidação da Latam pela Azul, temos em Azul nossa top pick para o setor aéreo.
Sua estratégia diferenciada baseada na regionalização pode ser um catalisador, apresentando um modelo rentável diante de uma conjuntura que, lentamente, vem se aproximando da normalidade.