O ano de 2021 tem sido marcado pelo grande número de operações de fusões e aquisições, mas nenhuma tem sido tão confusa quanto a atual disputa pela BRF (BRFS3), empresa que se encontrava aparentemente esquecida pelo mercado, longe de suas máximas de 2019 e início de 2020.
Em questão de algumas semanas, a empresa saiu do esquecimento para ser notícia recorrente em veículos da imprensa dedicados ao mercado financeiro, estando envolvida numa disputa corporativa dramática que opõe a Marfrig (MRFG3) e a JBS (JBSS3), duas gigantes globais no setor de proteínas.
Tudo começou na semana do dia 17 de maio, quando as ações da BRF, que oscilavam entre R$ 20 e R$ 21, dispararam e fecharam a semana aos R$ 26,93.
Depois de muita indagação sobre o motivo da abrupta valorização, descobriu-se que a Marfrig vinha comprando ações da companhia por meio de uma corretora americana, sendo que a empresa, por meio de fato relevante, anunciou que já detinha 24% da BRF.
Na semana seguinte, a Marfrig acelerou as compras e atingiu 31% do capital da BRF. Antes da aquisição das ações pela Marfrig, o capital da BRF encontrava-se bastante pulverizado, com os maiores acionistas sendo dois fundos de pensão que detinham, cada um, 9% da companhia. Essa estrutura pulverizada facilitou a compra pela gigante do setor bovino.
Para tornar a situação ainda mais complexa, diversos veículos de comunicação divulgaram nessa semana que a JBS estaria trabalhando com um assessor financeiro para estruturar uma operação envolvendo outros sócios estratégicos a fim de comprar 100% da BRF, removendo assim a Marfrig do quadro de acionistas da empresa.
Toda essa especulação vem sustentando as ações da BRF, que acumulam alta de mais de 35% no ano, oscilando entre R$29 e R$30.
O que isso significa para o investidor? Quais as perspectivas futuras desse imbróglio e qual deve ser o impacto dele para cada uma das ações envolvidas? Para se fazer essa análise, é preciso, em primeiro lugar, entender quais os possíveis cenários para a operação.
A Marfrig anunciou que sua intenção ao investir na BRF é apenas a de ser um investidor passivo, sem a intenção de interferir na gestão da companhia.
No entanto, não acredito que essa seja, de fato, a postura que será mantida pela empresa no médio e longo prazo. Em primeiro lugar, o investimento da Marfrig na BRF foi bastante relevante em termos financeiros para a companhia.
Para se ter ideia da dimensão do investimento, a participação de 31% da Marfrig na BRF vale mais de 7 bilhões de reais, mais da metade do valor de mercado da Marfrig.
A compra somente foi possível devido ao ciclo extremamente positivo pelo qual a companhia vem passando, com sua operação National Beef nos EUA, responsável por mais de 70% da receita da companhia.
Com um ciclo bovino favorável e a volta do foodservice na esteira da reabertura econômica americana, além de um nível depreciado do real, a empresa foi capaz de gerar bastante caixa nos últimos trimestres e reduzir sua alavancagem para menos de 2x do EBITDA, níveis extremamente confortáveis.
Ao se aproximar a data da próxima assembleia geral de acionistas da BRF, em abril de 2022, é provável que a Marfrig passe a adotar outra postura, com vistas a influenciar a gestão da companhia, ou mesmo propor uma fusão, como foi feito em 2019.
Acreditamos que a fusão pode ser positiva, adicionando mais diversificação de receitas, combinando os ciclos de aves e bovinos, que costumam ser inversamente correlacionados no Brasil, e aumentando a previsibilidade de geração de caixa na BRF, tornando mais viável seu agressivo plano de expansão, que é um ponto sensível da tese de investimentos da companhia.
A JBS, embora seja nossa top pick no setor, provavelmente teria dificuldades em levar adiante a proposta de fechar o capital da BRF.
Sua posição como dona da Seara, principal concorrente da BRF no mercado interno, dificultaria a aceitação da aquisição pela JBS das marcas Sadia e Perdigão pelos órgãos reguladores.
Acredito que a busca da JBS por sócios para a operação visa mitigar o potencial problema com o CADE, tornando a empresa apenas um entre vários investidores passivos que juntos, deteriam 100% da BRF.
Caso a operação se concretize, a Marfrig provavelmente teria um lucro significativo e rápido com o investimento na BRF.
No entanto, é importante atentar para o fato de que o CADE já criou obstáculos para investimentos passivos entre empresas do mesmo setor no passado, como foi o caso envolvendo as empresas Usiminas e CSN.
Além disso, devido aos recentes investimentos relevantes feitos pela JBS na Seara, que inclusive tem ganhado participação de mercado em cima da BRF, não acredito que o investimento na BRF faça tanto sentido para a JBS, pois seria difícil conciliar uma estratégia sem canibalização entre as duas empresas.
Levando em conta este cenário, avalio que a Marfrig seja a melhor candidata para se juntar à BRF, uma vez que sua atuação é restrita ao segmento de bovinos.
No entanto, a operação teria riscos significativos, haja vista que a Marfrig teria de se alavancar significativamente e/ou emitir ações, criando uma empresa mais arriscada do ponto de vista financeiro, sem contar as questões de concorrência com o CADE, já que a BRF é a maior cliente nacional da Marfrig.
Com relação à BRF, as ações já estão precificadas. Além disso, em relação aos fundamentos, o preço de grãos, principal fator de custo da companhia, deverá continuar a pressionar as margens da empresa, uma vez que não há gatilhos para uma queda dos níveis atuais no curto prazo.
Com as margens pressionadas e uma alavancagem próxima a 3x do EBITDA, vemos risco de a empresa não conseguir entregar os investimentos necessários para atingir seu ambicioso plano de metas para 2030.
No entanto, especulações acerca de novos desenvolvimentos na disputa entre JBS e Marfrig pela BRF podem continuar influenciando as ações da BRF, que provavelmente oscilarão ao sabor das notícias que irão surgir.
Com um início de ano agitado para o setor, não descartamos a possibilidade de esse imbróglio se estender e que novos desenvolvimentos e complicações surjam pelo caminho, influenciando o preço dos ativos do setor.
Cabe ao investidor ter a disciplina de filtrar o que é sinal e o que é barulho, e fazer boas opções pautadas pelos fundamentos das empresas na hora de compor seus portfólios.