No Palavra do Especialista de hoje, abordaremos o recente desenrolar da conjuntura econômica doméstica e internacional. O coronavírus trouxe um problema gigantesco para a economia, cujo verdadeiro impacto no comportamento da humanidade ainda não foi conhecido. Contudo, no que tange a economia, dados mais recentes sugerem que o fundo do poço já pode ter sido observado.
A crise sanitária nos apresentou um cenário de muita incerteza, e não é só isso, tivemos como consequência da covid-19 uma queda acentuada na demanda por bens e serviços, desemprego em massa, o derretimento das bolsas de valores, e a exagerada (na nossa avaliação) valorização do dólar.
Começando pela inflação, no início do mês conhecemos o IPCA de maio. Apesar da surpresa menos deflacionária do que o esperado pelo mercado, o comportamento estrutural da inflação denota a amplamente esperada perspectiva baixista, reflexos da grande crise que tem efeitos sobre preços.
Em doze meses, o IPCA desacelerou de 2,2% para 1,8%, enquanto a média dos núcleos também cedeu, de 2,4% para 2,1%. Através dos núcleos, os analistas conseguem expurgar efeitos pontuais na inflação, buscando capturar o comportamento tendencial dos preços.
Os impactos sobre a economia e inflação permitiram que na última quarta-feira (17/06), o Banco Central cortasse a Selic em 75 bps, conforme amplamente esperado pelo mercado, conduzindo o juro brasileiro ao menor patamar histórico de 2,25%.
Felizmente, na nossa interpretação, além do corte, o comunicado veio em linha com o esperado. A autoridade de fato sinalizou que o estímulo monetário promovido é compatível com os impactos da covid-19, sinalizando para a interrupção de cortes.
Dias depois do comunicado (23/06), o Comitê de Política Monetária publicou sua ata e, nela, pouco se viu de novo em relação ao informado na reunião, apenas as perspectivas sobre a recuperação marginalmente mais hawk.
Mediante a avaliação similar sobre as incertezas associadas à evolução da economia e os impactos da pandemia, bem como as políticas contracíclicas adotadas, mantemos nosso call de que a Selic permanecerá em 2,25% pelo menos até o final do ano.
Nesse aspecto, devemos ressaltar os dados de alta frequência sobre a atividade que acompanhamos diariamente. Ainda que o resultado da PMC de abril tenha apresentado forte queda, nós, bem como o BC, já notamos sinais de breve recuperação.
No resultado da PMC ampliada de abril, que contempla construção e base veículos, houve uma contração de -17,5% Por outro lado, o varejo restrito apresentou recuo pior do que o esperado, -16,8% MoM s.a. ante expectativa mediana do mercado de -12,1% (MoM s.a.), mas próximo do esperado por nós (-14,4% MoM s.a.).
Para maio (o resultado da PMC, assim como outras pesquisas do IBGE costuma sair com 2 meses de defasagem), não deveremos assistir os veículos reagirem no tocante a licenciamentos da Fenabrave, replicando o resultado interanual de abril. Para junho, a perspectiva de “avanço” é ainda mais proeminente, resultado do processo gradual de reabertura das economias.
Em outras palavras, ao que tudo indica, o fundo do poço foi tocado pelo varejo no mês de abril. Evidentemente, essa conclusão parte da hipótese que a covid será gradativamente controlada, ou seja, não contempla um lockdown.
Estados Unidos
O desemprego americano que subiu a 14,7%, já cedeu em maio para 13,3%. A perspectiva é de recuo gradual conforme a economia for gradativamente melhorando após o Covid. O retorno aos patamares pré-crise, ainda que facilitado por uma legislação trabalhista mais flexível no país deve se dar de maneira gradual.
Recentemente, na ata da reunião do Fomc, as perspectivas foram neutras, mas houve sinalizações sobre eventuais controles na curva de juros, alegando incertezas sobre a adoção de tal medida, que já vem sendo praticada na Austrália.
China
Na China, foram divulgados os principais indicadores de atividade econômicas do mês de maio. A produção industrial avançou 4,4%, apesar do mercado projetar alta maior (+5,0%).
Em relação às vendas no varejo, houve recuo de 2,8% no mês, também surpreendendo negativamente o mercado que esperava queda menor (-2,3%). Por último, os investimentos fixos caíram 6,3% em maio, e mais uma vez, a queda foi maior do que a esperada pelos agentes do mercado (-5,9%), denotando um ganho de robustez no processo de recuperação.
No globo, gostaríamos de destacar apenas nossa perspectiva relativamente positiva sobre a evolução da covid. Ainda que não tenhamos tido nenhuma solução definitiva, em diversos lugares, em função do distanciamento social, temos curvas cadentes de novos infectados.
Na Europa, o vírus parece estar controlado, com números cada vez menores de novos contaminados e mortos por dia.
Por sua vez, nos EUA, a situação deve ser dividida em duas: (i) Estados que tiveram êxito no controle, como Nova York, Nova Jersey, Illinois e Massachusetts e; (ii) Califórnia, Texas e Florida, que se tornaram ponto de atenção, com a curva de novos infectados e mortos ainda no trecho crescente exponencial.
Tal somatório denota que os EUA ainda não controlaram perfeitamente a doença e sua proporção continental deverá fazer com que sua curva de infectados caia de maneira mais vagarosa que na Europa, mas a perspectiva é de controle.
Por Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, e Guilherme Sousa, economista da Ativa Investimentos