Muitas vezes subestimada, a análise por múltiplos pode ser uma valiosa ferramenta para o investidor na hora da tomada de decisão. Simples e prática, o método, aliado às demais métricas de precificação, pode conferir maior segurança para o investidor analisar se os níveis de preço atuais de certa empresa estão ou não corretamente precificados.
Sobre os múltiplos, a análise de divide em duas:
Começamos a análise pelo P/L. O múltiplo, talvez o mais conhecido do mercado, tem como benefícios o fato de mensurar a linha final, importante métrica no que tange a capacidade de gerar retorno a longo prazo à ação, uma vez que trata-se de um valor abrangente, considerando impostos, taxas e metrificando realmente a capacidade de monetização de uma empresa. Esse múltiplo perde seu valor em caso de empresas que reportam lucros negativos, voláteis e é sempre relevante fazer o disclaimer que o lucro é uma rubrica mais exposta a práticas contábeis gerenciais que outras, como o fluxo de caixa operacional.
Dividimos o Preço sobre Lucro em dois, o antecedente e o futuro. O antecedente, calculado pelo preço por ação / lucro por ação dos últimos 12 meses e o futuro, que leva em conta as projeções feitas para os próximos doze meses. A análise pode ficar ainda mais apurada se formos capazes de retirar o lucro não recorrente do múltiplo ou ainda se conseguirmos normalizá-lo. Existem dois métodos para normalizar os lucros, sendo o primeiro o método histórico, em que é estimada a média do lucro por ação num determinado período, comumente no ciclo de negócios mais conveniente para analisar o múltiplo e o segundo, que preferimos por não ignorar o tamanho da empresa, onde o EPS é obtido através do ROE médio.
Dado que o ROE pode ser desmembrado em Lucro por ação sobre Valor Patrimonial por ação, uma simples manipulação algébrica configura o Lucro por ação como o produto de ROE x VPA. Para maior aderência, pode-se calcular a média do ROE para o período pretendido e multiplicá-la pelo Valor Patrimonial do último ciclo para aumentar a relação matemática com a dinâmica recente do setor.
Pois bem, hora das contas! O P/E antecedente justificado pode ser ainda calculado pelo payout multiplicado por 1+ taxa de crescimento sustentável e dividido pela taxa de retorno requerida de capital menos a taxa de crescimento sustentável da empresa. Pode-se estimar a taxa de retorno requerida através de modelos, como o CAPM, e ainda inserir um prêmio de risco ao passo que a taxa de crescimento sustentável é facilmente obtida pelo modelo conhecido como PRAT, em que multiplica-se a taxa de retenção pela margem líquida, giro do ativo e alavancagem financeira.
Digamos por exemplo que Ambev tenha tido uma taxa de retenção de 35% nos últimos doze meses, ou seja, um payout de 65%. Para o retorno requerido, lembramos que é interessante alinharmos os dados com o período temporal que se projeta o resultado. Suponhamos que o retorno requerido pelo mercado neste espaço temporal foi de 10,8%. Para o cálculo da taxa sustentável de crescimento, suponhamos que sua margem líquida ao longo do último ano tenha sido 22%, seu giro do ativo 0,53x e sua alavancagem financeira 1,68, o que multiplicando-se, deflagraria um ROE de 19,58%. Pega-se esse ROE e multiplica-se pela taxa de retenção, chegando a uma taxa de crescimento sustentável de 6,85%. Dividindo o payout de 65% multiplicado por 1,0685 pela diferença da taxa requerida (10,8%) e a taxa de crescimento sustentável (6,85%), encontraríamos 17,6x. Levando em consideração que o papel é transacionado atualmente em 16,9x, chegaríamos a uma conclusão de leve subprecificação.
Para o P/E, conseguimos também supor o múltiplo justificado futuro para um ativo bastando retirar o termo multiplicador do payout no numerador. Neste caso, estamos supondo que se os lucros subirem, o múltiplo histórico será maior que o futuro. Aplicando em números, teríamos 0,65 dividido por 0,0395, chegando a um leading P/E de 16,5x, valor levemente inferior aos 16,9x atuais. Esse é um caso didático e que reforça a importância de se conhecer a empresa e o setor antes de tomar a decisão de investir. Ambev, por exemplo, pode negociar a um P/E histórico atrativo e um futuro nem tanto. O que balizaria a sua decisão de investimento ? Certamente, num ambiente onde existem outras opções, o mais prudente seria buscar por soluções menos assimétricas.
Além do P/L, outro múltiplo comumente utilizado é o Preço sobre Valor Patrimonial, obtido fundamentalmente pela relação ROE – g / r – g. Pela formula, conseguimos aferir que caso o ROE seja maior, o P/VP da empresa também será majorado. Outra consideração interessante é a relação entre ROE e a taxa requerida de retorno (r). Quanto maior o hiato entre elas, o múltiplo P/VP também será maior. Esta relação também faz sentido economicamente: lembrando que o ROE é o lucro líquido sobre o patrimônio liquido, ou ainda o LPA / VPA por ação, quanto maior sua magnitude perante o retorno requerido, mais satisfeito estarão os acionistas.
O múltiplo é muito utilizado para analisar financials e, diferentemente do P/L, não há uma análise histórica e futura. Digamos que Bradesco (BBDC4) possua um ROE de 21,2% e uma taxa de crescimento sustentável de 7,4%, considerando uma taxa de retenção de 35%. Lembramos ainda que taxas sustentáveis de crescimento sempre devem ser muito bem justificadas e valores acima do crescimento sustentável da economia necessitam sempre ser questionados. Mas, se adendo aos números e considerando ainda que os investidores demandam mais retorno do setor financeiro que o de bebidas, citado acima, e que tal retorno requerido fosse de 13%. Assim, tirando a diferença entre o ROE e a taxa de crescimento sustentável e dividindo pelo retorno requerido menos a taxa de crescimento sustentável, chegaríamos a um preço sobre valor patrimonial de 2,4x, longe do patamar atual de 1,4x, o que poderia indicar uma subprecificação.
Evidente que o resultado seria atrativo, mas lembramos novamente que a análise fria dos números não deve, por si só, embasar integralmente uma tese de investimentos. Quanto ao setor bancário, estamos diante de uma série de eventos operacionais, financeiros e regulatórios que afetam a precificação do múltiplo.
Retomando a análise do P/L histórico, obteríamos um P/L de 2,19. Multiplicando o valor pela margem líquida de 4,6%, obteríamos um Preço / Vendas justificado de 1,0074x, valor longe dos atuais 7,6x demonstrados pela empresa. Mais uma vez, não é recomendável que um resultado apenas norteie a tomada de decisão em investimentos, todavia, ter ciência de uma assimetria pode ser um dado importante que muitas investidores as vezes não consideram antes de investir. Comparar a empresa com os pares, por exemplo, também pode ser interessante. Nesta análise de Preço / Vendas em varejo, se fossemos colocar, por exemplo, Via Varejo, que reportou margem líquida negativa em 2019, não conseguiríamos obter um valor uma vez que a empresa não distribuiu proventos. Disto, tiramos mais uma lição: conhecer as limitações do modelo utilizado também é fundamental para melhor interpretação dos dados.
Quer estar por dentro das melhores dicas e opções de investimentos? Continue ligado aqui no #BlogDaAtiva e em nossas redes sociais. Até a próxima!