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Como o marco legal do saneamento afeta as empresas do setor?

Por: Ilan Arbetman
04/06/2020
5 min

Como o marco legal do saneamento afeta as empresas do setor?

Já nos primeiros dias em que o brasileiro se viu diante da atual pandemia, ficou evidente uma realidade triste de aceitar: a solução paliativa da questão, pautada na higienização constante das mãos, escancarava um dos maiores problemas do país: o acesso à água e esgoto.

Com o andar das semanas, percebemos uma movimentação em Brasília para retomar os trabalhos quanto à apreciação da PL 4.162/1, o marco legal do saneamento. Com intuito de prover uma nova forma de regulação, métricas para avaliação de eficiência e universalização dos serviços envolvidos, o governo enxerga na matéria a possibilidade de capturar dois coelhos com a mesma cartola: promover avanços num setor onde evidentemente o país carece e retomar as reformas estruturantes que o mercado tanto demanda do governo desde que a reforma da previdência fora aprovada no fim do ano passado. 

A parte regulatória colocaria a Agência Nacional de Águas (ANA) à frente das principais decisões acerca dos mercados envolvidos (água, esgoto e tratamento de lixo), diminuindo o poder dos municípios, que atualmente tem carta branca para deferir sobre o processo que mais lhe convém.

A escala seria conquistada através da formação de blocos entre os municípios, facultando-lhes a opção de licitar conjuntamente ou não ao passo que os contratos de programa, modo de contratação em vigência atualmente, seriam progressivamente migrados para processos licitatórios que poderiam envolver tanto empresas públicas quanto privadas.

Apoiadores e críticos ao texto do projeto existem aos milhões e o objetivo deste texto não é defender um dos pontos, e sim, ressaltar os detalhes da discussão que pode impactar o bolso de você, investidor.

Não há dúvidas de que, num país onde, mesmo após diversos programas, como o Planasa, a Lei do Saneamento do final dos anos 2000 e os projetos do PAC, apenas ¼ da população possui acesso à agua tratada e esgoto coletado e tratado, não podemos simplesmente ignorar propostas que podem oferecer algum tipo de avanço ao cenário atual.

O benefício à população deve ser prioridade

Independentemente se há ou não alguma tentativa de se capturar um frenesi em torno do “momentum” atual, visto que a pandemia nos mostrou o quão retrógrados estamos quanto a esta questão, e que o cenário de juros baixos, inflação acomodada e depreciação cambial poderiam incitar o investimento externo, ultimamente tão sumido no país, avançar nessa matéria, independentemente se através deste ou daquele projeto de lei, é prioridade daqueles que querem um país menos desigual.

Um dos pontos mais contestados da proposta é a dúvida a respeito da metrificação do cumprimento da universalização dos serviços, onde a lei prevê que os licitantes devem se comprometer com metas que cobrem o alcance de 99% do fornecimento de água potável e 90% da coleta e tratamento de esgoto. Acreditamos que a atribuição de objetivos ousados está correta e que uma proposta com este cunho de importância não poderia começar sem objetivar o que ela propõe: arrefecer as diferenças no acesso a insumos básicos.

Outro ponto que concerna aos investidores é a impossibilidade de interrupção de serviços, ainda que estes atrasem seus pagamentos. A nível de valuation, estamos vendo uma penalização no required return on equity das utilities no mercado acionário nacional por conta do aumento súbito da inadimplência.

Nos reports do primeiro trimestre, Sabesp, Copasa e Sanepar provisionaram valores relevantes, constatando aumento dos inadimplentes já em abril e prevendo aumento das perdas ao longo do trimestre.

Assim, acreditamos que a inclusão desta emenda também é válida, uma vez que, menos desfavorável do ponto de vista financeiro, a privação de tais serviços como água e esgoto desqualifica um ser humano, tornando sua existência menos nobre. Acreditamos ser possível, no escopo das companhias interessadas em ingressar no setor, formular planos que contenham tal assertiva de modo a não inviabilizar seus interesses.

Outra questão pertinente à discussão é a respeito da continuidade dos investimentos estatais no setor para os próximos anos. Com o crescimento do comprometimento fiscal nacional, o não avanço da proposta pode significar a continuação da estagnação dos serviços do país e no futuro, custar mais vidas ao país.

A máxima proferida pela OMS, que afirma que 1 real em saneamento básico significa quatro reais a menos em saúde deve estar na cabeça de todos antes de nos negarmos, ao menos, a debater o assunto. Lembremos que quem salva uma vida, salva um mundo inteiro.

Outro ponto que concerna alguns é a a insegurança jurídica. O projeto em tramitação no congresso, ao ser aprovado, conferiria aos municípios e às estatais a possibilidade de renovar sua concessão estatal atual por mais 30 anos, contanto que a viabilidade do projeto seja constatada pela ANA, que pode oferecer serviços técnicos e/ou financeiros para blocos ou municípios avulsos que implementem seus planos para licitar suas redes.

Traz também polêmica o fato da ANA se comprometer a priorizar aqueles que acenarem positivamente com a troca de seus regimes atuais de programa para o regime de licitação, mas acredito que o ponto é um estímulo para que verifiquemos em cena condições mais ajustadas ao mercado.

O governo necessitava formular, de alguma forma, sua insatisfação quanto ao alcance do sistema atual e incentivar a mudança é um sinal para os atuais players que a barra da qualidade e range dos serviços tem que subir.

Opositores do projeto defendem que, atualmente, a baixa proporção de clientes de municípios que atuam com sistemas privatizados verifica maior custo em suas contas. A informação é verossímil, porém, não pode servir de cobertor curto para impedir os avanços regulatórios e operacionais que o país tanto precisa. Ademais, a colocação de mecanismos de oferta e demanda mais puros podem conceder ao sistema condições mercadológicas mais equânimes.

Sabemos que faltam no país experiências onde a privatização levou os preços de determinado setor a um ajuste rápido e dinâmico. Por mais que existam cases positivos, como o de telecomunicações, onde avistamos atualmente as benesses de um mercado bem mais universalizado que quando o mesmo era controlado pelo Estado, o medo do desconhecido acaba sendo uma característica inerente ao brasileiro, sobretudo após o fracasso em diversas tratativas.

Nas empresas de energia elétrica, por exemplo, a obrigação do cliente a optar por um mercado regulado, onde ele fica à mercê do risco da distribuidora ou o mercado livre, onde o mesmo precisa encarar um mercado em desenvolvimento e elétricas com poder de barganha bem maior que o seu acaba mitigando os efeitos automáticos dos mecanismos de oferta e demanda, causando ineficiências, que atualmente vemos o governo e a ANEEL se articulando para mitigar.

Apesar do texto prever que a participação da União em fundos de apoio a PPP’s pode ser feita de forma ilimitada, é natural que exista um medo por parte dos usufrutuários do serviço que, caso a regulação não funcione, o cliente se veja imerso a tarifas mais altas e a empresa vencedora da licitação consiga não prover as metas decenais que lhes foram instituídas.

Nesse sentido, acredito que o governo precisa fortalecer a ANA. Sabemos que, ao longo das décadas, a regulação foi feita a nível municipal/estadual e que, não será através da aprovação do marco que as coisas mudarão. A agência precisa instituir desde já grupos de debate e iniciar a possível transição desde então, de forma a tornar cabível os avanços que a lei pode nos proporcionar.

A fala do governador de São Paulo, João Dória, que sinaliza positivamente para a venda da estatal SABESP e, recentemente, a colocação da COPASA na lista de desinvestimento do BNDES, nos dão algum sinal que, uma vez aprovado, o marco tem tudo para redinamizar o setor.

Mas insisto que, não somente do ponto de vista operacional, é preciso diminuir as arestas entre os governos, deputados/senadores, comunidade acadêmica e população, uma vez que, muito se perde com a defesa de lados e o esquecimento dos predicados que envolvem a proposta.

Entenda como ficam as empresas do setor na Bolsa

Do ponto de vista das companhias, temos recomendação de compra para SABESP(SBSP3) e SANEPAR(SAPR11) e recomendação neutra para COPASA(CSMG3).

No quadro abaixo, mostramos que, via múltiplos, Sanepar parece mais descontada que seus pares:

Lembramos, entretanto, que alguns múltiplos mais baixos se justificam, uma vez que Sabesp é a única entre as três que transaciona via units ao passo que Copasa e Sabesp já estão inseridas no contexto do novo mercado, transacionando apenas via ações ordinárias. 

Sanepar reportou maior Ebitda / Sales que seus pares, com 45% vs. 36% de ambas Copasa e Sabesp. O ROIC da companhia também fora maior, de 18,9% vs. 11,6% de Copasa e 15,6% de Sabesp.

Quanto a liquidez, o cash ratio de SAPR11 também é maior que o de seus rivais, mostrando que o player está setorialmente bem preparado para lidar com os desdobramentos da pandemia atual.

Mesmo com a estiagem que assola o estado do Paraná no momento e deve continuar a ser enfrentado pelo player nos próximos meses, apontamos a empresa como nossa top pick do setor, uma vez que, além da beneficiação iminente com o avanço do projeto em Senado, a mesma ainda encontra-se distante de nosso preço alvo.

Nossa preferência atual por Sanepar não exclui Sabesp e Copasa, sendo que, entre elas, temos preferência por Sabesp e enxergamos upside ainda no curto/médio prazo.

Conforme supracitado, o avanço das tratativas é benéfico para o setor como um todo e, mediante o avanço das discussões no Senado, onde acreditamos que, o texto atual pode ser apreciado em sua totalidade sem necessidade de retornar a câmara dos deputados, iremos lhes atualizando.

Afinal, tal como pode acontecer com o sucesso desta empreitada, o Palavra do Especialista quer diminuir a distância entre nós e nossa razão de existir.

Até a próxima!

Por Ilan Arbetman, a nalista do Research da Ativa Investimentos

Ilan Arbetman