O dragão adormecido
Hoje, no Palavra do Especialista da Ativa Investimentos, discorreremos sobre um tema que já assombrou muito a vida do brasileiro, mas que hoje não está assustando ninguém: o dragão da inflação. Passaremos pelos efeitos que a crise causa sobre o IPCA e pelos riscos desse gigante acordar novamente.
Primeiramente, gostaríamos de destacar a dificuldade de mensurar, com a devida acurácia, como os preços estão evoluindo em tempos de Covid-19. Não se trata apenas dos obstáculos para projetar o índice, destacamos que a crise também diminuiu a capacidade de coleta do IBGE, obrigando o órgão a se “adequar”.
Desde março, o instituto suspendeu a coleta presencial de preços nos locais de compra, passando a efetuar esse processo por telefone e/ou internet. Trazendo essa dificuldade para o presente, podemos falar sobre a divulgação de hoje (26/05) do IPCA-15 de maio.
No gráfico abaixo, apesar da ampla dispersão das projeções, nota-se que nenhuma aposta realizada pelos agentes do mercado foi capaz de acertar o recuo de -0,59%. Nós, da Ativa, esperávamos uma queda menos acentuada (-0,53%), enquanto já a mediana do mercado acreditava no recuo de -0,48%.
Com isso em mente, passamos a ressaltar os impactos do Covid sobre a inflação. Mesmo sob tamanha dificuldade de mensurar o IPCA, principalmente para horizontes mais longos, podemos notar que as perspectivas de inflação para 2020 vêm caindo sistematicamente. No início do ano, as projeções estavam ao redor de 3,50% e hoje tocam 1,50%.
Em uma conta de chegada, usando o coeficiente de hiato estimado por nós através da regra de Phillips, a revisão de 2,0 pontos percentuais (p.p) equivale a uma revisão do PIB para o ano em cerca de 10,0 p.p..
Não se trata de uma inversão da causalidade, mas sim de um exercício teórico. Em outras palavras, para que a inflação tenha essa revisão é necessário, ceteris paribus, que as projeções de PIB que se situavam ao redor de 2% tenham sido revistas para -8%. Por mais uma vez denotando o efeito material dessa crise.
As perspectivas da inflação para 2021 também vêm sendo revisadas para baixo. Apesar da credibilidade do Banco Central, que fixou a meta em 3,75% para o ano, a projeção mediana apurada na pesquisa Focus aponta para um IPCA de 3,14%.
Tais projeções bem comportadas passam uma clara mensagem que gostaríamos de reforçar: o dragão da inflação está adormecido. Para que passemos a observar desvios altistas da meta de inflação, é necessário que toda a ociosidade da economia seja consumida.
Aqui representaremos a ociosidade através da perspectiva para o hiato do produto, que em nossos cálculos chegam a -8% esse ano e avançam para apenas -6% em 2021.
Assim, dois pontos de risco devem ser destacados aqui sobre a possibilidade de o dragão acordar, ainda que discordemos deles. O primeiro ressalta que o regresso do fiscal e das políticas monetárias não convencionais geraria um sobre-estímulo econômico, e o segundo é que a volta dos gastos do governo afetaria muito a atividade, uma vez que a sensibilidade dos estímulos fiscais é superior aos dos monetários.
Discordamos de ambos utilizando o mesmo argumento. Apesar de concordarmos que a atividade é mais sensível ao fiscal do que ao monetário e que as políticas monetárias não convencionais podem de fato gerar um bom desempenho econômico para sair da crise, para que isso gere inflação, na nossa avaliação, seria necessário que todo o hiato do produto seja consumido, o que acreditamos dificilmente acontecerá, uma vez que exigiria um crescimento do país de quase 10%, em 2021.
Em suma, hoje podemos ficar tranquilos com o sono dragão.
Por Guilherme Sousa, economista da Ativa Investimentos, e Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos
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Étore Sanchez