Mercado de trabalho americano está, de fato, fervendo
O grande evento econômico global dessa semana foi o Fed decidir aumentar em 25 bps a taxa de juros americana para o intervalo de 0,25-0,50%. Essa decisão parte do fato de que a inflação americana está substancialmente acima da ‘meta’ de média de 2,0% no longo prazo. As expectativas do core do PCE (PersonalConsumptionExpenditure), que é o que baliza a política monetária americana, está superior a 2%, ao passo que essa métrica na estatística corrente está em 5,2% quando acumulada em 12 meses.
Contudo, o regimento do Fed é dual, ou seja, além da inflação a autoridade também deve avaliar a situação do mercado de trabalho, que é o que comentaremos a respeito nesse texto.
Tanto no comunicado quanto no Press Conference (que acontece logo após a decisão do comitê de política monetária, o FOMC) o Fed foi enfático: a atividade econômica, bem como o mercado de trabalho, continuou a se fortalecer, mesmo já estando em um patamar mais do que recuperado da crise causada pela pandemia.
A taxa de desemprego americana (atualmente em 3,8%) é o principal foco da autoridade, sendo que vários membros já a consideram em sua plenitude. Mas há também uma outra maneira de entender o “pleno emprego” argumentado pelo Fed, que é olhando para a Beveridge curve, a curva que mede tanto a eficiência do mercado de trabalho quanto sua dinâmica em relação ao ciclo econômico.
No gráfico abaixo, temos esses dados divulgados pelo BLS, o ‘IBGE’ americano. Entender esse gráfico é inicialmente confuso. Primeiro, ele compara a taxa de abertura de novas vagas (eixo y) contra a taxa de desemprego (eixo x). Ou seja, não há uma linha de tempo contínua. Tanto é que na linha preta, referente a maio de 2020 até janeiro de 2022, o ponto de maio de 2020 é o mais à direita, enquanto o de jan/22 é o mais à esquerda da curva. Ou seja, a linha de tempo é de certa forma ao contrária, num ritmo decrescente.
Grosso modo, a análise a ser feita aqui é em relação aos dois momentos que o mercado de trabalho pode passar. O primeiro, num período de recessão, o esperado é uma alta taxa de desemprego e com poucas aberturas de vagas. Ou seja, a economia não cresce, as empresas não crescem e o desemprego continua alto. Na linha preta do gráfico, esse seria o ponto mais a direita, referente a maio de 2020, poucos meses depois do início da pandemia.
Já numa economia forte e crescendo, o contrário é esperado: cada vez mais as empresas ofertam vagas dado o forte ritmo de crescimento, e o desemprego é baixíssimo. É o que acontece no atual momento. As consequências são diversas, dentre as quais ressaltamos: (i) pressão por aumento de salário, já que a demanda por trabalhador é muito maior que a oferta de trabalhadores e; (ii) normalmente as vagas novas preenchidas não são de desempregados, mas já de trabalhadores que estão “rotacionando” de emprego.
Entretanto, apesar da conjuntura positiva atual para o mercado de trabalho norte-americano nem tudo são flores: há outro aspecto referente ao mercado de trabalho que o gráfico acima mostra: a eficiência da abertura da vaga.
Quanto mais alta a curva, maior está sendo a competição por pessoas já empregadas, ao passo que desempregados precisam de mais oportunidades para serem novamente trazidos de volta para a massa de ocupados.
Há em um grau mais elevado nas economias desenvolvidas a presença da histerese no mercado de trabalho, um efeito no qual trabalhadores vão “depreciando” seu conhecimento quando afastados da rotina de trabalho. Com um boom econômico empresas tendem a privilegiar funcionários que não perderam o emprego e consequentemente estão mais prontos para fortalecer as receitas.
Assim, a curva preta, a mais elevada desde 2001 reflete a ineficiência das aberturas de vagas na conversão em uma taxa de desemprego menor, ao passo que a histerese vem sendo atribuída como uma das responsáveis por esse movimento.
O perfil econômico dos EUA também ajuda a entender o movimento, tendo em vista que estamos falando de uma nação com pouca vaga com baixa produtividade. Até mesmo atividades consideradas de baixa qualificação em outras nações exigem algum grau de instrução nos EUA.
Por fim, e não menos importante, muitos trabalhadores acabaram saindo da força de trabalho ao passo que não procuraram emprego, visto que durante a pandemia e os lockdowns, o governo fez um rígido programa de suporte. Deste modo, as pessoas não são consideradas estatisticamente desempregadas visto que não estão procurando emprego mesmo em condições para tal.
As implicações para o futuro são incertas, mas fato é que o mercado de trabalho americano mudou com a pandemia. Apesar disso, o Fed está mais do que certo em confirmar o ótimo momento da economia americana, ainda mais se somamos a hipotese que as vagas aberta tem mais gerado rotatividade na mão de obra do que diminuído o desemprego.
Por André Coelho e Étore Sanchez
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